top of page
logo_oponto_news_H2Blue_round_radio_cafe-removebg-preview.png
Noticia e Informacao contextualizadas
00:00 / 03:51

Um Virus Desconhecido no Hospital de VFX - E uma curiosa contaminação geral


Foi a 24 de janeiro, em plena crise global talvez a maior da história pela pandemia e a ameaça de nova e pior guerra fria, incluindo outras crises sociais de várias sortes, no meio disso tudo, disparei para a emergência do Hospital de Vila Franca de Xira, diga-se de passagem um hospital público privado com menos de 10 anos de idade, abandonado ano passado pelo Grupo José Mello de volta ao Estado, porque não há capitalista no mundo que continue se apropriando do capital financeiro, estrutural e político do Estado para acumular riqueza real, quando o EBITDA não seja mais positivo (Lucro antes dos juros e impostos, definição simplória).

De modo inédito, quixotesco, eu estava a um palmo de flutuar acima da superfície do “breaking even point” mensal, tendo erigido sem capital inicial um pequeno comércio de café e regionais & tradicionais, criado marca, posicionamento calculado para gerar “share of mind, voice & market” ao alcance das pernas e boca ao redor do bairro, procurando não competir diretamente com os vizinhos estabelecidos, fornecendo produtos de modo a atender com quatro braços, meus e de minha mulher, sobre um balcão construído com as próprias mãos, com criatividade e resíduos (ironicamente) da obra de construção de uma loja do McDonald´s local, enfim, voava neste tapete mágico estampando no peito Medalhas de Ouro, Prata e Bronze da Escola Superior de Propaganda e Marketing (Brasil) e outras conquistas de Cervantes, quando o acúmulo de stress, de pelo menos quatro anos, mais as horas extras extravagantes olhando para o ecrã do notebook (atendendo trabalhos freelancer) fizeram meus olhos transformarem-se em duas bolas de fogo assustadoras, e minha boca explodir de aftas gigantes generalizadas por todos os cantos, tudo de um dia para o outro, além de subsequentes e inevitáveis reflexos nas mãos, ponta dos dedos e pés, impedimento para comer sólidos e quentes, e a agonia por não poder fazer o que o corpo queria fazer,

pois o resto da muralha esteve sempre intacta.


- Emergência, por favor - disse ao condutor do táxi, e pude brincar que ia visitar um amigo. Minha mulher soldada ao meu braço, nove horas da manhã sob severos 9 graus .


Lembro de conhecer alas de emergências em hospitais no Brasil, nos Estados Unidos e Austrália, nunca para atendimento pessoal, e em Portugal também, quando minha mulher cortou acidentalmente o dedo e o final da história foram 5 pontos e uma bela reportagem elogiosa às colaboradoras da unidade de Cascais; eu ficara impressionado com a eficiência e paciência delas, era 2018. Mas a melhor experiência com a emergência e pronto-socorro em hospitais eu tive através de um livro, A Noite. – Érico Verissimo para a monumental trilogia “O Tempo e O Vento”, e escrever um livrinho de poucas páginas, obra-prima complexa, estava na praia em Torres, a poucas milhas da Patagônia. O personagem central, um desconhecido, perde a memória e perambula pelas ruas de uma cidade que podia ser Porto Alegre, fundada por Açorianos, e cujas vizinhanças por Alent´janos. O Desconhecido não tem nome, não lembra de coisa alguma, seu próprio nome e de ruas, sua origem, onde está, nada, e é ciceroneado por dois homens estranhos, a um ele chama de Mestre, o outro é baixinho e Corcunda, que tem o hábito de desenhar o rosto de cadáveres em velórios e necrotérios; naquela noite os três flanam pela cidade, visitam prostíbulos, velórios e emergências de hospitais. No meu caso tudo aconteceu durante o Dia e apenas um pedaço da noite até perto das 24hs e eu era os três personagens de mim mesmo, o Desconhecido, o Corcunda (espreitando passageiros de ambulâncias que chegavam a taxa de um por hora naquela ala emergencial) contemplando morimbundos semi-mortos sobre macas amparadas por Bombeiros treinados para entreter pacientes, e Mestre de mim mesmo, notoriamente sem muito recurso didático, pois pouco aprendi até o momento. Apenas tenho a convicção de ter descoberto um vírus inédito naquele hospital, vigente também em outros, certamente. E acertei em não ceder ao impulso de levar debaixo do braço meus dois livros autorais sobre saúde:“O Elo Perdido da Medicina – o afastamento da noção de vida e natureza” e “O Organismo é Sábio – Medicina Oficial versus Integrativa, uma briga sem sentido”.

Acertei também em não exibir minha carteira de Internacional PRESS “foreign correspondent”, e não ter informado que poderia conduzir uma investigação líquida, ali, eu objeto de contexto, sobre profilaxia, sistema operacional e capacidade clínica daquela unidade empresarial de saúde pública. A profilaxia, meu caro leitor, é por onde passam todas as bactérias patogénicas e os mais de seis mil vírus catalogados, mais de 300 mil vírus oficialmente prováveis, mais de bilhões potencialmente existentes, segundo a precária ciência de nosso século.


Senha, eu tinha uma perna quebrada, escondida pelas calças, mas deveria esperar pela emergência numa fila, com a senha na mão, em pé. Ok, não era a perna, mas se fosse? – A atendente magrinha e visivelmente irritadiça; ao aproximarmo-nos do guichê protegido por vidro e com máscaras mais os ruídos locais não a entendemos na primeira frase; iniciei uma descrição da razão de estar ali: - estou com os olhos e a boca… Fui interrompido com uma patada: - não precisa dizer-me, não sou médica! – Ok, o que lhe digo então? – Seu cartão cidadão! – outro coice.


Minha mulher mostrou-lhe o cartão e narrou os números. A magrinha anotou meu nome, números e perguntou-me: - Foi um acidente? – Você não é médica! Disparei, e explodi. Doía muito, cabeça, olhos inflamados por trás dos óculos escuros, a boca incandescente de ardência e sentia fome. – Não senhor mas preciso colocar aqui (apontando para algo sob o balcão de que deveria ser um teclado de computador ou ficha impressa escrita à mão). – Defina acidente, atirei mais uma granada, com raiva animal. – O quê… - gaguejou a magrinha – ora, o sr caiu, bateu? – ah, não, não caí, não bati. Ela continuou o seu trabalho antes de nos mandar esperar ao redor, em pé. E graças à mão delicada de minha mulher, pedindo para eu não defender a Independência do Rio Grande do Sul, eu respondi que não havia sido um acidente. E fiquei na dúvida: será que não foi a resina epoxi da sexta-feira, será que não foi o perdigoto do cliente amigo falando a um palmo do meu rosto, e se fosse a ingestão de ácido? Estaria enquadrado entre “cair” ou “bater”?

As próximas dez horas foram um desfile de exposição à pior profilaxia e carência de pessoal que eu poderia ter presenciado num Hospital Público Privado, na Europa, até meados do ano passado gerido pelo Grupo José de Mello, que agrega empresas de energia nuclear, indústrias químicas, associação nacional de farmácias, o CUF e a Brisa, que cobra a portagem nas estradas portuguesas, sem esgotar o seu alcance, cresceu 63,1% chegando a um faturamento de 22,4 milhões de euros (primeiro semestre de 2019, segundo o comunicado dos resultados divulgado pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). O patriarca fundador do Grupo, pai dos atuais executivos de topo dos respectivos Conselhos e Administração e Comissão Executiva, fugiu do país quando explodiu a Revolução de 25 de Abril em Portugal. Um dos filhos, atual presidente do Conselho de Administração, Vasco de Mello, ora bem, que humildade, foi também analista de crédito da Crefisul, no Brasil… Estou chovendo no molhado, a família Mello em Portugal ostenta o título nobre de Conde de Sabugosa, o último título de nobreza concedido pelo Rei. Sim, quando a poeria de 1974 baixou bem mais tarde, ele retornou e reconduziu a sua riqueza “humanizadora” aos números relatados acima. Recentemente leu-se em primeiras manchetes de jornais que o Hospital de Vila Franca de Xira atingira os melhores índices de qualidade e “flags” de classificação superior, padrão Europeu. Nestas últimas semanas, entretanto, publicam os jornais, há carência de recursos e “hóspedes” à beira da morte estão sendo conduzidos para alternativas hospitalares em Lisboa. O abandono da gestão do Hospital de VFX pelo Grupo Mello deu-se, segundo relatório do seu próprio Conselho de Administração, porque a gestão de infraestrutura era deficitária, mesmo o balanço financeiro tendo sido turbinado com aportes de provisão, e cujo balanço não exibe detalhes pormenorizados por não estar ao abrigo da IFRS (International Financial Reporting Standards). Acredite amigo leitor, mesmo sem entender essas terminologias de ambientes climatizados e decorados com gravatas, não há sarcasmo suficiente para expressar uma análise lúcida.


Por sua vez, a Ministra da Saúde e todo o Executivo e Legislativo do Governo não definem o ajuste de contas e mais importante do que isso, a solução para esse limbo - nem o Grupo PPE nem o Governo atendem um paciente a beira da morte numa maca...

Mais, leia isso: os rendimentos operacionais consolidados do Grupo Mello atingiram os 287,4 milhões de euros, tendo registado incrementos de 45,1% e de 16,8%, comparativamente a 2020 e 2019, respetivamente; no primeiro semestre de 2021, o Grupo CUF obteve um Resultado Líquido Consolidado de 9,2 milhões de euros, o que representa um aumento de 29,2 milhões de euros face ao período homólogo; no segmento da prestação pública, destaca-se o término do contrato de gestão da PPP do Hospital Vila Franca de Xira, a 31 de maio de 2021. O Hospital Vila Franca de Xira foi considerado, ao longo do tempo, por entidades públicas e privadas, pelos utentes e pela comunidade, como um dos melhores e mais eficientes hospitais do país, sendo esse o legado que a CUF deixa ao fim de 10 anos de gestão.


De acordo com o contrato de parceria, o Grupo não tinha a gestão das infraestruturas do Hospital de Vila Franca, pelo que as infraestruturas não se encontravam reconhecidas nos ativos fixos, estando as mesmas registadas na empresa que é responsável pelo edifício (Escala Vila Franca de Xira - Sociedade Gestora do Edifício, S.A.) a qual não faz parte do Grupo. Com efeito o contrato revelou-se oneroso, originando uma situação patrimonial negativa do Hospital de Vila Franca.


De volta a dor


Permaneci entre o corredor de acesso a outras áreas de atendimento ambulatorial e entrada para os gabinetes internos médicos e o “drive way” por onde chegam peões e ambulâncias, compartilhando o sítio. Um desfile antropofágico, como as exposições que existiam na Europa e mais tarde nos Estados Unidos, de seres humanos inusitados, uma das maldades sem tamanho que o homem já foi capaz de patrocinar. Volto ao assunto “comer gente” mais adiante, pois fui chamado, em torno das 12 horas, para aceder ao “atendimento” emergencial. Mas ainda não era isso e adotei a primeira cadeira daquele corredor de luz fraca, com três cadeiras sem apoio para braços, uma de um amigo recente, amizade iniciada por olhares de compaixão e proximidade de idade. Na outra cadeira, a três metros de mim, uma senhora com um tubinho de plástico enfiado no braço pendendo de uma bolsa de plástico, algo lhe abastecia temporariamente e ela esperava, olhando ao redor, como eu. O corredor com alguns vinte metros de comprimento me deixou ver os gabinetes médicos de onde entravam e saiam profissionais, alguns possivelmente recém-saídos de bancos universitários, outros talvez ainda frequentadores, enfermeiras/os e médicas, vi também equipamentos médicos sendo puxados sobre rodinhas pra lá e pra cá com cabos arrastando no chão. Aliás assumi, pelos estetoscópios pendurados ao redor dos pescoços, que ali havia duas médicas, uma irritada e arrogante, provavelmente inspirada nas aulas sobre pronto-socorro que deveria (na cabeça de quem lhe ensinou) ser rápida, pragmática, seca, nada ponderada, talvez a superior de plantão, a outra afável e talvez mais experiente até, e de carne e osso.


– Chegou a minha vez, finalmente de facto. Foi-me medida a pressão e auscultados os meus pulmões e coração, minha temperatura já havia sido medida num escrutínio anterior. Mas fiquei esperando, sem saber o quê exatamente, até que me foram feitas coletas para o famigerado PCR, tendo uma narina ferida pela pressa em enfiar um palito para coletar, sangrou, e oito horas à frente eu saberia se era um portador de Covid convivendo livremente entre aquelas pessoas, igualmente a desfrutarmos da mesma liberdade “para matar”, ou fazer alguém sofrer. Eu sofria, doía, ardia, incomodava, eu estava a beira da explosão de qualquer reação tempestiva que não sabia qual poderia ser. Muita dor mesmo; imaginei várias lâminas cortando lentamente a minha boca por dentro e meus olhos pingando sangue, não pingavam, mas parecia que isso iria acontecer, de tão injetados. Isso duraria semana e meia à frente. Mais tarde as duas médicas ficaram impressionadas, uma terceira com o rótulo de oftalmologista, e outra de otorrino, me examinaram mas com o cuidado de darem um passo para trás para fazerem algumas perguntas de rotina rapidamente e me despacharam de volta para o primeiro piso. Sim, daquele jeito foi ejetado para o alto do terceiro piso, caminhando livremente pelo belo Hospital, lucrativo para seus acionistas. Ah, sim, no exame otorrinolaringologista foi-me introduzida uma microcâmera no nariz, o equipamento estava à porta de entrada do gabinete médico, aberta, em cujo corredor passavam outras pessoas. A câmera veio da porta até meu nariz sem um paninho sequer lhe limpar.


De tudo se aprende, quando a alma não é pequena, ou você é dobrado como no texto de Hemingway: “…a vida quebra a todos, os fortes, os fracos e os indiferentes, não tenha pressa, ela vai lhe quebrar também…” Aprendi que no meio do inferno há pessoas boas, como aquela “maqueira”, uma senhora que trazia macas de outras alas, ou pacientes pela mão, com uma simplicidade e ternura nos movimentos comoventes, a vi ali durante as 12 horas de “emergência”. Ora, corri para tentar ajudá-la a abrir a porta e ouvi um simpático: - Já está, não precisa – empurrando uma banda da porta com um pé e esticando-se sobre a maca e o paciente para abrir a outra banda, empurrando com o braço magro o “velhote”, como chamam alguns visitantes locais. Eu ouvia os gritos continuamente de um senhor num dos gabinetes, espreitei e vi que estava numa maca, e perguntei o que ele reclamava. – Ah, é um velhote que faz isso o dia inteiro, sempre – respondeu-me uma das enfermeiras.


Antropofagia


Fim, acabo aqui, meu amigo leitor. Obrigado por acompanhar-me. Apenas vou concluir sobre a antropofogia, anunciada acima. É como ficou conhecida no Brasil uma época de virada cultural, após a publicação do Manifesto Antropófago, de Oswald de Andrade (1928). Era o início do Movimento Modernista, e aqueles agitadores culturais afirmavam que em vez de Portugal deixar impregnado seu DNA no tecido social brasileiro, de um modo irrevogável, os brasileiros miscigenados em todos os aspectos, intelectuais e subcutâneos, comportamentais e filosofais, infectados por gente de toda a parte, comeram literalmente tudo dos Portugueses transformando-se em algo diferente, inclusive impossível de replicar. Como os índios fizeram ao português Bispo Sardinha que os defendia e, ao conseguir a duras penas uma nave marítima para ir ter com o Rei do outro lado do Atlântico e contar-lhe as atrocidades que os patrícios lusitanos em solo brasileiro faziam com índias e índios, os “comiam” de modo sádico, ou satânico, mas Sardinha naufraga mesmo perto da costa e é aprisionado por uma tribo de Caetés, comido então de verdade com faca e garfo, pois era nobre comerem os troféus de guerra, diferente da ficção de Jean Baptiste Grenouille em O Perfume, que foi comido com o aroma perfeito do amor.


O Modernismo eclodiu ao redor do surgimento da ideia de Existencialismo, de que o homem poderia existir, ter um propósito escolhido por si, pensar e tomar decisões, numa descrição crua. Depois dessa experiência no Hospital de Vila Franca de Xira, fiquei com a convicção de que estamos chegando ao fim do ciclo do Existencialismo, retornamos à noção aristotélica de “a priori”, em que a “essência” vem antes do “existir”, em outras palavras: o homem não tem mais como escolher, decidir o que quer, isto é, alguns homens. Nossa essência é vir a este mundo submetidos ao que vigora, de preferência digital e monetizado em escala. Fuga? Sim, burlar o muro do castelo e roubar alguns pães, mas retornar à selva. Me refiro a maioria de nós homens e mulheres, que equivocadamente aceitamos sermos chamados de “povo”, sem o cuidado do significado de “populus” e “pollis”, esta uma ficção que legitima as eleições nas democracias; a mesma democracia que não gere um Hospital Público, por exemplo; ainda, ignoramos o diferencial entre “demo” e “ethnos”, que infelizmente não cabe do diálogo informal do dia-a-dia. Ora, povo é uma facilitação econômica e política que exclui (uma faixa populacional) para gerir a massa, outra denominação maliciosa.


Neste sentido, o sintagma “atendimento humanizado” preconizado por website de Clínicas Médicas e Hospitais Público Privados ao redor do mundo, soa obscenidade: então não somos todos humanos, para esses gestores e acionistas?


E o vírus desconhecido que descobri no Hospital de Vila Franca de Xira foi o vírus que infectou a maioria daqueles “colaboradores”, que diante da situação midiática de que faltam recursos ao Hospital, entendem que podem atender precariamente, um ciclo vicioso. Ao final da noite recebi por sms, ainda ali no Hospital, o resultado do PCR e outros exames: fisicamente um atleta, quanto à pressão arterial e demais índices protocolares da medicina hegemônica, (incluindo o “Best Practice Protocols Clinical Procedures Safety, WHO - World Health Organization). Quanto aos meus olhos e boca, o diagnóstico: virose. É, em plena Pandemia, e sabedor da existência de 6,5mil vírus catalogados, fui infectado por um vírus desconhecido. Sofri, e somente me passou a dor a 2 de fevereiro, porque pude transgredir as regras da casa e escrever.






bottom of page