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LEME e Ética - mão humana, coração de máquina, sal nas veias.


O evento LEME, uma década de monitoramento – Barómetro – da Economia do Azul, em Portugal e do mundo para Portugal, arrancou (09/01/2020) com um tom decisivo para além dos meandros marítimos, na verdade tem ficado cada vez mais claro que nada neste planeta em ebulição pode estar dissociado do mar, do contrário estaremos fadados a sucumbir, provavelmente daí vem a sombra catastrófica dos apologistas da entropia frequentes em jornais da mídia em geral. Pessoas & Palavras foi lá e viu, ouviu, conversou informalmente, como se estivesse num pier, no cais do porto, aliás literalmente, pois o encerramento festivo aconteceu no Cais de Cruzeiro de Lisboa, distante do Pavilhão do Conhecimento onde aproximadamente mil pessoas ocuparam o auditório principal, ciceroneadas pelo economista Miguel Marques, da PwC.

O programa intenso foi introduzido pelo anfitrião com o aviso de que seria acelerado, que a gestão de tempo seria rigorosa, dada a fartura de naipes de peso, oradores, e conteúdo a exibir acumulados durante os últimos dez anos, com vídeos e depoimentos pregressos, incluindo audiências na ONU em Nova Iorque e retrospectivas sobre o avanço sistemático das vicissitudes no mar, nomeadamente o declínio da saúde marinha, dos seus usuários, da sua fauna, das suas características mais íntimas, e, uma palavra, contida numa expressão enfatizada, deu norte ao LEME: ética.

Será mantido este norte para a próxima década? Como garantir que isso aconteça? De que ética, afinal de contas, estamos a falar? Veremos mais adiante.

De seguida Miguel Marques explicou porque o slide com uma mão humana apertando uma mão mecânica, ou vice-versa, estaria exposto no telão por mais tempo do que o imaginável. Quis o incansável economista apaixonado pelo mar sugerir explicitamente que, não há hipótese de se acompanhar a velocidade brutal com que conseguimos atingir a evolução das coisas através da tecnologia, o homem não conseguirá dominar a sua fera-obra (a expressáo é deste autor), mas paradoxalmente depende dela, sua criação para sobreviver. Neste sentido, disse Miguel mais de uma vez: temos que manter a imagem acima como um aperto de mão onde o lado humano seja o protagonista líder, o leme das relações que mobilizarão o futuro presente. Que este aperto de mão não seja um passar o bastão, um transbordo de responsabilidades, ou pior, um aprisionamento da mão humana pela mão da tecnologia.

Como conseguir isso? Perguntou ele mesmo, Miguel, e respondeu: pela ética. Qual a ética, arriscou perguntar uma vez mais... e deixou-nos a reflexão de que é preciso o estímulo constante à aproximação dos interessados, em vez de sermos refratários à idiossincrasias desnecessárias, aventura-se este observador, e fundamentalmente a humildade em trazer para a arena de formação de opinião atores até mesmo sem o conhecimento que podemos ter em abundância, sobre o mar, e aqueles carecem...

Seguiu-se um desfile de interferências substanciais, oradores de reconhecimento internacional, representantes de embaixadas estrangeiras, e empresários dos quatro cantos do mundo, incluindo uma comitiva de dezenas de empresários do Brasil, e todas giraram em torno da fatalidade dos números atuais, seja o declínio da economia do mar em Portugal em relação aos períodos anuais anteriores, seja pelo incremento preocupante da pirataria em certas áreas dantes desinfestadas destas práticas, seja pela degradação pura e simples do mar pela ação antrópica, na superfície, nas colunas d´água e nos recônditos mais escuros dos oceanos, até o interior das rochas do fundo do mar. Curioso pontuar que, já na ECO-92 (eco de ecologia), no Rio de Janeiro, ouvi com esses mesmos ouvidinhos que a terra irá comer, as mesmas preocupações, na altura em forma de alerta de que poderiam acontecer. Era o lançamento do Dia Mundial da Água Doce; mais à frente participei da Rio+10 e depois da Rio+20, em 2002, novamente o eco antigo, desta vez um eco sonoro de alertas máximos já com relação às ilhas de plásticos que nascem no meio do mar, por causa em grande parte dos descartes em terra, carreados para rios pelas ações pluviais e desembocados no mar ameaçando esse mundo onde estamos a falar com o LEME, não em nossas mãos, mas a martelar nossas cabeças duras.

Em 2010, cobri como jornalista um encontro da ONU, no Quênia, em Nairóbi, sobre os problemas da água no mundo, onde ouvi bastante sobre a água do mar e poluição. O ambiente era climatizado, parecia um lobby de hotel, quando nasceu a expressão. Procurei no próprio edifício da ONU se havia um processo, mesmo experimental, de reutilização de águas residuais, e não encontrei. Saí nas redondezas e, impressionado com a força da África, fugi, fui visitar um lugar bem africanamente sacrificado, em Mombaça onde vi uma penitenciária quase aberta onde misturavam-se detentos e familiares vivendo em verdadeira degradação humana de insalubridade sanitária total. Com o perdão para um desvio: lá eu ouvi relatos de viciados incluindo prostitutas que trocam injeções do próprio sangue por não terem dinheiro para comprar drogas, desfrutando de um efeito apenas placebo. Triste. Em 2017, a mesma ONU, em Nairóbi, realiza assembléia geral em que são aprovadas várias resoluções para combater, prevenir e reduzir a poluição dos oceanos até 2025. Portugal e Brasil estavam lá. Quer dizer, daqui a cinco anos teremos um Atlântico mais limpo. É? Isso inclui as areias das praias e os organismos marinhos já infectados pelo plástico e poluentes persistentes? Em 2010, enquanto dirigia o Instituto Brasil Costal de que fui fundador presidente junto com minha mulher Helga Leal (Cientista Social), participamos de um estudo acadêmico da Universidade do Tokyo coletando das areias do Maracanã do Surf, a praia de Saquarema, Rio de Janeiro, pellets, pequenas bolinhas de plástico degradado. Segundo aquele estudo, assim como há ilhas de lixo que navegam em direção aos grandes giros dos oceanos, nenhum metro quadrado de areia nas zonas costeiras é isento de vestígios de plástico degradado, que não desaparece da face da terra em menos de 100 anos...

Enquanto nos preocupamos com esse terror iminentemente real, temos que manter a roda girando, da economia local e global, e então nos preocupamos em particular com a Economia Azul. Mas a meu ver, hoje mais do que nunca, absolutamente nada passa por nossas mesas, veste nosso corpo, embeleza nossas vaidades, suaviza nossas tarefas manuais, nos transporta e transporta nossas coisas, inclusive nossos dados e informações sem a variante mar na matriz de produção, seja direta ou indiretamente. Desafio a encontrar algum dos fatores/vetores socio econômicos que não inclua o mar como componente, direto na equação ou embutido. Sou até defensor – idealizador – de uma Moeda Azul, que financie ou que sirva de troca mesmo, no melhor exemplo dos Vendilhões do Templo, a preservação de 70 % da superfície da Terra, pois os restantes 30% indefesos já não se tem mais como retorná-los ao que um dia se pareceram. Não vou nem mais além como gostaria, com outro foco, na criação de um modelo monetário completamente novo, posto que o atual, do padrão Gold, caros amigos, está falido. Pois não podem ser as bolsas de valores que decidem para onde vão as decisões de nossas vidas. Elas tiveram a sua chance de nos salvar da infelicidade, temos que pegar o leme na mão outra vez.

Há que inventarmos um mecanismo em que as moedas sejam não mais do que uma pedra no tabuleiro de xadrez imaginado por Victor Hugo, aliás, em Os Trabalhadores do Mar o autor declara que são a religião, a sociedade e a natureza, as três lutas do homem. Suas três necessidades; precisa crer, daí o templo; precisa criar, daí a cidade; precisa viver, daí o navio. Mas há três guerras nessas três soluções. Em todas a misteriosa dificuldade da vida. O homem tem de lutar com o obstáculo sob a forma superstição, sob a forma preconceito e sob a forma elemento. Tríplice fatalidade pesa sobre nós, a dos dogmas, a das leis, a das coisas. Em Os Trabalhadores do Mar ele enfoca a fatalidade das coisas (block chain?). A essas três fatalidades que envolvem o homem, junta-se a fatalidade interior, o coração humano.

Da mesma forma, ouviu-se no evento Uma Década do LEME, a importância dada ao levantamento de dados, acesso a informação sistemartizada e disponível por e para todos os setores interessados, como bom exemplo foi citado a Conta Satélite do Mar, assim como o pronunciamento do Ministro do Mar, prometendo uma agenda de obstinação que inclua a reinstauração das reuniões da Comissão Interministerial para os Assuntos do Mar.

Não vislumbrei por acaso a associação à literatura, acima. Me emocionei quando a surfista portuguesa Marta relatou seu contentamento por ter chegado aonde chegou, afirmando que não se deve esperar a ajuda solidária pela piedade, e sim buscar o seu objetivo pelo bem de o fazer deste modo...

A última ressalva que me arrisco a fazer, sem deixar de louvar, realçar e parabenizar a realização fabulosa do LEME – Barómetro da Economia Azul de Miguel Marques e sua equipa à frente da PwC Portugal é a com relação a certas convenções que minimizam o alcance da importância da Economia do Mar. Pergunte a qualquer candidato a exportação e importação qual o primeiro entrave, ou dúvida a cerca de efetuar uma troca comercial transcontinental. A respota é: - quanto custa? De seguida: - quanto tempo? O preço, ou o Valor do Mar estão ali, gravitando no planeamento o tempo todo. Assim, não concordo que a "Fileira Alimentar" abarque apenas o que o mar enquanto espaço físico possa dar, da mesma forma que a indústria naval e do transporte marítimo e o turismo e outras atividades diretamente ligadas ao meio marinho resumam os inputs para a Economia Azul. Todo o segmento de mercado da alimentação, incluindo guloseimas e bebidas, laticínios e o agronegócio; e a indústria naval e do petróleo e gas offshore; devem ser somadas às demais indústrias instaladas em terra, de toda a natureza, sim, incluindo a indústria da informação e informatização, a robótica, farmacêutica e espacial, tudo o mais que o homem produz, todo o pensamento quântico dessa sociedade de inconsciente coletivo fractalizado deve ser convidada a participar do LEME, em todos os centros de discussão sobre a saúde do mar.

Nossa natureza intrínseca, posto que, só para lembrar, é irrigada pelo plasma sanguíneo humano que transporta as mesmas características das moléculas das águas do mar. O próprio conceito de natureza deve pautar as discussões, em qualquer mesa de negócio. Que seja um conceito de paradigma alargado, de felicidade, o fim de tudo, sinônimo de natureza saudável em que o norte seja, no sentido ético mais profundo e altruísta, a sintropia.

Imagem utilizada para publicação de audio: Gala de Entrega dos Prémios Excellens Mare 2019 decorrido a 06/04/2019 no

Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz.

Discurso do Almirante Antonio Silva Ribeiro, na Doca Jardim do Tabaco, Terminal de Cruzeiros de Lisboa, precedendo a apresentação do Concerto Excellens Mare da Banda da Armada, Regida pelo Maestro Délio Gonçalves - 09/01/2020

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