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Lugares Azuis, ao redor da Terra por todos os lugares.


Uma ilha é uma porção de terra cercada por água por todos os lados, nunca esquecemos dessa lição aprendida nos primeiros anos de escola. Eu vivia no campo e sonhava conhecer uma ilha, desde a primeira vez que aprendi aquela lição. “Lugares Azuis”, o livro do economista Miguel Marques me remete ao primeiro estampido no peito, o de me fazer ao mundo em busca de um horizonte a mais, atravessar mares, conhecer toda a gente, colocar imagens naquelas bandeirinhas que ilustravam meu primeiro livro de geografia. Ingênuo, não fazia distinção entre Honduras e Noruega, Estados Unidos e África, Venezuela e Portugal, embora a bandeira de Portugal me parecia muito com a de meu lugar, o Rio Grande do Sul, que eu pensava, também ingenuamente, fosse o maior lugar do mundo, todo verde a se perder de vista até a Patagônia, que para mim era branca. A ingenuidade deveria durar mais na vida da gente. Miguel Marques dá esse sabor nostálgico neste seu novo livro.

Fernando Pessoa, sentado a um bar no Chiado, saboreava seu prato favorito, ovo frito, e navegava em alto mar como nenhum outro marujo jamais o fez. Com sua alma singular nos fez enxergar poesia na faina do homem do mar, nas aves marinhas, nas pedras de um cais dentro em pensamento, palavras impossíveis de se pintar numa tela. Uma pessoa que nunca foi para o mar, nunca navegou, pode, nas palavras de Pessoa conhecer todo esse “Lugar” indizível. O economista Miguel Marques passou década e meia coletando informações dos quatro cantos do mundo, de todos os mares, construindo relatórios complexos sobre os efeitos sócio-econômicos, efeitos na vida do homem afinal de contas e, como nas palavras do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, Almirante António Silva Ribeiro, “o mar tomou conta da vida” de Miguel Marques.

Do topo de sua capacidade e demanda profissional desabou no abismo da ingenuidade como um menino, retornando aos tempos em que ouvia histórias de seu pai em Póvoa de Varzim, lugar que não existiria não fosse a ligação de toda a sua gente com o mar, e vislumbrou um “retorno” às origens, poesia, em todos os lugares que visitou, a procura de dados quantitativos e relativos à qualidade ambiental. Em seus olhos, traduzidos em palavras, pintou-os de azul, a única matiz que ora se nos soçobra. “Lugares Azuis” é essa prova cabalística de que qualquer pessoa, ligada ao mar ou aparentemente longe dele mesmo física e em pensamento pode e deve sabê-lo, na verdade se insistirmos em permanecermos no fundo e de costas para a saída da caverna, afeitos ao mito de Platão, soçobraremos nós mesmos.

Miguel Marques reuniu, durante dois anos, escritos de encomenda fora da agenda da economia e identificou gota por gota “Lugares” que lhe diziam apenas uma cor, “Azuis”. Viajou pelo mundo, a trabalho. Subiu e desceu para escritórios climatizados repletos de sisuda malta a lidar com leis, normas, projeções numéricas e, sem perder de vista toda essa bagagem necessária, “se deixou tomar a vida” pela magia até de um certo modo fraternal que vem e vai para o mar.

O livro é bom de ler num banco de praça, num lugar apertado em pé no combóio, na sala de espera de um dentista, na cama antes de dormir e neste caso sonhar com os “Lugares Azuis” que Miguel Marques assinala um por um, em Portugal; que existem tanto no imaginário coletivo, quanto nos quatro cantos do mundo, idênticos e peculiares ao mesmo tempo.

Por falar nisso, tempo é um lugar especial em “Lugares Azuis”. Miguel Marques talvez sem querer reinventou um sintagma que se oferece de rótulo para o mar e para mais nada; o sintagma que dispensa a palavra “passado”; escolhe habilmente “história” em vez disso. De facto, nenhum mar, seja os que navegam de oceano em oceano ou os que navegam dentro de cada um de nós possui passado, e sim história, muita história. Daí o autor se apóia na história e nos remete sem demora ao “presente” e ao “futuro” imediato. Não me recordo de ter lido a palavra “passado”, em “Lugares Azuis”, se a li, inconscientemente já estava fisgado pela “história”. Ponto para Miguel.

Por fim, cada subtítulo é um golpe de poesia, e uma pista de que o leme esteve sempre firme na mão do autor. “Alquimistas do Mar, “Esculturas Flutuantes”, “Entre a Serenidade e a Tempestade”, “Onde o Mar se Funde com o Céu”, “Mar que Fala Português”... Aliás, a primeira palavra que se lê em “Lugares Azuis” é “Portugal” e o seu último capítulo é justamente “Rumo”, cuja última palavra antes do ponto final é este “lugar eternamente azul” que tomou para si a marca dos descobrimentos do mundo. Talvez esteja na hora já tardiamente de cada lusitano começar a redescobrir-se novamente...

----------------- Lugares Azuis Editora Revista de Marinha - Portugal https://revistademarinha.com/ ISBN 978-989-54320-2-8

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