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Minha eterna morada é Niterói, na 1 de maio 1099...


Domingos em Niterói, pelo amigo Padre Gilberto Cunha

Juntávamos as nossas coisas, naquelas manhãs de domingo, e viajávamos para Niterói, próximo ao Rio Gravataí, uma rua antes do Dique. Para nós, crianças, aqueles dias eram sempre motivo de muitas alegrias. Não tínhamos muito, nossas vidas eram pobres e tínhamos de administrar o pouco que a vida nos oferecia.

Naquele bairro pobre chamado Niterói residia uma tia com seus cinco filhos e que também lidava com o pouco da vida, mas sempre se via nela uma pessoa cheia de esperança. Para não se tornar um encontro dispendioso a família dividia as despesas. A forma justa que faziam as contas eu nunca soube, mas nunca ouvi uma queixa de qualquer lado que fosse. Havia paz naquela família.

Nós crianças nos divertíamos com as tias na cozinha e com os assuntos que pareciam não ter fim. Os tios se abancavam debaixo dos cinamomos e trocavam ideias sobre futebol, política e religião e, claro, sobre o passado. Antes do almoço havia uma caminhada pelas ruas do bairro e podíamos sentir nossos pés descalços por sobre a terra seca com as suas fendas, resultado das chuvas e do sol. (Nunca esqueci essas imagens).

Os almoços eram divertidíssimos, havia fartura e ainda hoje não descobri a fórmula como driblavam a pobreza que nos rondava. Havia comida para todos e todos se sentiam satisfeitos e felizes. À tarde, como era de praxe, havia o “bolão” da tia Nezica, um bolo enorme com confetes prateados que me faziam sonhar com um mundo colorido e doce. Tempo bonito aquele. Aprendi a gostar de bolo naquela época.

Escrevo este texto movido por um pouco de saudade, mas muito mais porque quero entender a formula de lidar com a pobreza. Essa lição eu não aprendi toda, mas a minha família me mostrou que é possível ser feliz com o pouco que temos, basta repartir. Eu não sabia que nela bairro morava um menino que dia se tornaria escritor, ele hoje mora em Portugal... Mas, esse é outro assunto!

Esse assunto começa aqui, Por Claudinho Centro-Médio

Agora essa, e o que diria meu Avô Néia: o Instagram desativa a função “like”, alguns meninos que sabem escrever alguns comandos em Java apontam como razão a onda de depressão de usuários ansiosos por merecerem notabilidade através do número de cliques no coraçãozinho; outros meninos mais atentos às teorias de marketing acenam com algo mais palpável, para eles, um incentivo subjacente para melhorar o conteúdo circulando na grande rede, mas é claro, isto para beneficiar as marcas de anunciantes de peso, porque, sem conteúdo não se pode cartesianamente medir o temperamento do target, intuir com algoritmos os hábitos de cliques, para pescá-los. Mas de fato o assunto era outro...

Nada como ter o que lembrar para sempre, como o amigo Padre Gilberto Cunha lembrou. E dizer que o Facebook desperta o impulso dos seus usuários lembrando de fotos publicadas em certo dia e horário, fotos que pela natureza essencial lembram coisas, e provocam, ou não, cliques nos corações. Quando cliques acompanham comentários, é o delírio, um onanismo em mídia social diria o escritor que o Padre Gilberto lembrou. Com a bola, a partir daqui, Claudinho Centro-Médio:

Todas as lembranças do Padre Gilberto me vieram à cabeça também, e muitas outras dignas de publicação, ávidas por cliques, curiosas por comentários. Lembranças como lavar o próprio uniforme do colégio, passá-lo, e era como um brinquedo dos 9, 10, 11 anos de idade; varrer o pátio, juntar bolinhas de cinamomo e atirá-las no bodoque feito por mim mesmo, como tantos outros rudimentares, nobilíssimos. E se comia bem, hein, lá em casa quase tudo vinha da plantação do Vô Néia em que eu era ajudante voluntário. O vô chegava do trabalho, era guarda noturno de uma tecelagem em Porto Alegre, pegava as ferramentas, eu e o piloto, nosso cachorro, para os fundos do pátio, a mini fazenda, até o almoço. Ele tomava banho, almoçava e, ao final do dia, ia “trabalhar”. Sério: comíamos, do terreno da Rua 1. De Maio 1099, frutas como mamão, maçã, laranja, amoras, uvas, pêssegos, ameixas e ainda havia um pé enorme de limão, hortaliças eu posso listar cebolinha verde, salsa, rabanete, couve, alface, cenoura, batata inglesa, batata doce, mandioca, milho, feijão do tarde, ervilha e certamente esqueci de algumas, e mais: as galinhas davam dúzias de ovos que eram trocados por cima da cerca com o vizinho, por bananas e outras coisas; as galinhas iam para a panela e algumas tinham nomes, as penas para os travesseiros e cobertores, e os porcos, com quem eu brincava ao lavar os chiqueiros, dois por ano, que enchiam latas de banha, morcilhas, chouriços, costelas defumadas... E não é que o pai aproveitou o poço descontinuado, quando a rua recebeu água encanada, ele começou a criar carpas, proliferaram tanto que não havia mais espaço. Lembro de jogar bolinhas de batata doce para as carpas. Mas, de todas as lembranças, uma muito significativa, a de sentir os pés descalços na terra, no meu caso o dedão do pé direito sempre machucado, os joelhos também e os cotovelos, de onde as cascas de feridas mal secavam antes de abrirem novamente. Eram as minhas tatuagens de infância, o corpo magrinho vestido no verão apenas com um calção feito em casa, sobra de tecido das costuras da vó, com um elástico fino. De uma coisa eu discordo saudosamente do Padre Gilberto: não éramos pobres...

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