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Carta da IV Grande Conferência da Economia do Mar: Um Grito em Uníssono


Não é raro ao final de simpósios, congressos, conferências e eventos do gênero ser redigida uma carta coletiva por dezenas de mãos – dos líderes ali presentes –, assinada por centenas e aceita tacitamente por uma comunidade inteira de profissionais com endereço único e certeiro – os tomadores de decisão. Não raramente um apelo para que problemas sejam resolvidos. A IV Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar foi um sucesso de apelos recorrentes, um clamor uníssono de empresários e especialistas, quase nenhuma discordância, que uma vez atendido não só resolveria todos os problemas de Portugal como também transformaria o país em líder global marítimo, num estalar de dedos. Não tendo havido a carta, fica a pergunta: alguém vai ouvir aquele clamor numa única dose, aquele grito uníssono?

Foto: Almirante José Luis Cardoso (YMAR), Pedro Valverde (EDP), Jorge D´Almeida (Saconsult), António Costa e Silva (Partex), José Onofre (IHMP)

No caso da IV Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar talvez seja apropriado, então, elencar uma série de perguntas a serem respondidas por quem toma decisões em Portugal, a começar por levarmos ao pé da letra o “Preâmbulo” de seu realizador, o competente Gonçalo Magalhães Gonçalo: “os portugueses tem que pensar português”; e pelo menos um de seus apelos para que “o mar” seja levado a sério em Portugal, e, se a este observador lhe for permitido arriscar um resumão, dos dois dias de audição de interferências inteligentes, em que algumas deveriam ser emolduradas, eu diria: “falta uma estratégia nacional que insira o mar como sua plataforma de descobrimento de novas rotas, não só marítimas, mas para todos os setores produtivos e potencialmente geradores de bem estar para seus cidadãos”.

Na verdade, pode-se afirmar que a “Conferência” foi idealizada com o rigor etimológico e semântico, neurolinguístico até, da “maiêutica” Socrática, com o objetivo de parir o saber, neste caso saber-se o que Portugal quer para si, ou não quer, com relação a 97% de seu território, o mar.

Gonçalo cravou ao final da Conferência que há um “condicionamento mental em Portugal”, neste caso refratário ao aproveitamento de suas riquezas, desde o mar ao saber contido na cabeça de cada português. Logo, conclui-se socraticamente, o português tem que parir o conhecimento de si mesmo, descondicionar-se, desentupir-se do passado e redescobrir o que uma vez teve de sobra para inventar a “era dos descobrimentos”, da rota para as Índias, da aventura de fincar bandeiras na Ásia, na América, da virilidade de inventar um Brasil e um cem número de outras aventuras bem sucedidas, e mais tarde abdicadas. Por falar nisso, ouviu-se na Conferência que a China está preocupada em manter e aumentar rotas marítimas em todo o Planeta, não por acaso nas franjas de Portugal.

Ali naquele ponto foi mencionada a Nova Rota da Seda. Leu-se recentemente nos jornais de Portugal que isto foi inspirado no modelo de exportação que há mais de dois mil anos expandiu horizontes do comércio internacional, chamado de One Belt One Road (Silk Road Economic Belt e a 21st Century Maritime Silk Road), um projeto chinês que pretende fortalecer a influência contagiante da China e o desenvolvimento de nações parceiras – criando a maior plataforma de cooperação econômica do mundo, integrando coordenadamente as políticas de cooperação e uma rede de colaborações comerciais, financeiras e culturais; mais de 60 países, incluindo Portugal.

Bom para Portugal? Como está o projeto? Como acompanhá-lo? Perguntas que não querem calar e faria um bem enorme respondê-las.

Ouviu-se na Conferência os gritos: Os portugueses estão de costas para o mar! Nas escolas não se ensina nada sobre o mar! Falta uma estratégia nacional de inserção da economia do mar! (este grito foi o mais ouvido, quase todos os presentes ou disseram, ou aplaudiram com o brilho dos olhos); Falta investimento na Economia do Mar! Temos que pensar o futuro, o que era novidade há vinte anos hoje é convencional, as novidades de hoje serão convencionais nos próximos vinte anos! Portugal não pode submeter-se à Comunidade Européia, quanto ao mar! Portugal tem a melhor posição geográfica voltada para o Atlântico! Temos o maior porto do mundo! Não temos competitividade! Há novas leis a cada quatro anos, muitas lacunas não regulamentadas! Temos que desatar nossos nós! Os espanhóis fazem lobby para que não avancem certos projetos na área marítima em Portugal! – Espere um minuto, isso é grave. É verdade?

Talvez fosse útil transformar cada grito acima numa em hash tag… Então surge uma pergunta: o que aconteceria se a ignorância que emerge das mídias sociais de repente transformar-se em motor de reverberância daquelas hash tags, daqueles gritos, mesmo sem o conhecimento do que se trata com profundidade? Seria útil a ignorância, neste caso, para o próprio usufruto dos ignorantes.

Voltando ao Centro de Congresso de Estoril – a poucos metros da residência do Presidente da República, que estava listado no programa, mas não pode comparecer – cada conferencista, dos setores da navegação à logística como um todo, da indústria do petróleo e gás aos laboratórios de pesquisa relacionadas, do direito marítimo à academia, da Marinha de Guerra à pesca, recapitulou suas atividades entremeando as agonias de suas dificuldades reiteradamente criadas pela relutância dos tomadores de decisão – cada interferência prometida pelo Jornal da Economia do Mar disponibilizada online. Mas a última interferência, exatamente a última, o grito mais denso no sentido de conciso e profundo, feito carta bomba, foi dado pelo empresário e professor António Costa e Silva.

“… o mar é a saída para o planeta, deve ser cultivado, em 2040 a ´internet das coisas´ será fulcral , as energias renováveis devem ser o foco, a demanda de energia aumentará a níveis que não podemos imaginar hoje, os recursos do mar são desconhecidos, devemos preservá-lo, o romantismo da Comunidade Européia é asfixiante, o mar é a saída, não sabemos mais do que 3% sobre os recursos do mar, até a pouco tempo acreditávamos que seres vivos só existiam aonde existe a fotossíntese, hoje sabemos que a quimiosíntese é uma fonte de vida, não conhecemos essa população de indivíduos que vivem nos lugares abissais marinhos onde a luz solar não alcança…”, o auditório ouviu um bombardeio nuclear de informação sintetizada e contextualizada em menos de dez minutos, raramente desfrutado por pessoas comuns, e, se há de fato tomadores de decisão que podem mudar o curso “desse navio”, talvez raramente ouvido por esses também.

Enfim, uma carta de perguntas para Portugal responder para si mesmo.

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