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Brexit ou Brack-in? O que Portugal e Brasil tem a ver com isso?


A saída dos bretões da CECA, CEE ou CE, ou o retorno deles “back in”, aliás, nunca de fato chegaram a sair por inteiro, isto é, estiveram apenas parcialmente dentro, posto que ficara sempre de fora a sua moeda e outras vicissitudes subjetivas, esta inflexão sócio-econômico-política significa muito mais do que um Brexit ou Brack-in (a expressão é minha, emprestada do slang underground). É, na verdade, uma maré global, e longe de ser um mar de rosas, sem confundir com o Mar Cor de Rosa (envolvendo Inglaterra, Portugal e um naco diagonal da África), para a Europa vai além da chacota das orelhas de Charles e do Gol inválido de Wembley, portanto, irreversível. Quer saber? Aqui vai:

Tony Blair chamou de “desafio da eficácia” o fato de a democracia ser (ter sido até agora) o melhor sistema que as pessoas livres escolhem (escolhiam), ao mesmo tempo em que falha com o cidadão com frequência espantosa, num mundo onde países, comunidades e corporações devem adaptar-se constantemente, enquanto essa mesma “democracia” se arrasta devagar, burocrática e fragilizada. - Pergunto o que fazer então, se o populismo, extremismo, autocracia e qualquer outro modelo já testado ou praticado em outros lugares também falharam ou foram ainda piores?

Paul Mason lembrou ao Publico (Jornal de Portugal), na entrevista de Sergio Aníbal, que o Tratado de Lisboa merece ser respeitado porque arquiteta os pontos mais prioritários para a Europa. Oportuno lembrar também que Portugal era do mesmo tamanho alguns cem anos atrás quando se arvorava a conquistar ilhas na Ásia, terras na Índia, uma fração inteira do continente Africano e foi o maior latifundiário do Brasil por 200 anos. Teria Portugal se esvaído de mar de manobra e perdeu o bonde da história?

Recebi uma explicação, menos metafórica, do Prof. Henry Woo, fundador da Rede Internacional para Metodologias Econômicas, autor de “Crescimento Econômico sem Inequalidade: Reinventando o Capitalismo” (Growth Without Inequality: Reinventing Capitalism, Routledge Publishing), ela se alinha no centro. Além do seu livro, me foi enviado documentos e argumentos objetivos com uma proposta – muito longa para discorrer aqui. Debatemos por email, ele em Honkg Kong, eu no Rio... Arrisco em uma linha resumir o Prof. Woo: ele sugere a criação de "voucher" para alimentar uma economia paralela alavancando pessoas sem riqueza, uma poderosa ferramenta de economia... Mas o estudo acadêmico meticuloso do Prof Henry Woo peca por um detalhe: teme a vanguarda, evita o revolucionário em detrimento da cura do verdadeiro mal que ele mesmo pontua: a nossa sociedade está definitivamente vinculada à plataforma (pensamento) de mercado, é vítima do avanço tecnológico de que foi ela a própria deliquente responsável. E é refém do paradigma os benefícios sociais pagos pelo caixa das taxas. Isso tem que mudar radicalmente, do contrário nunca haverá melhor distribuição de riqueza. O raciocínio é meu.

Primeiro, deve-se aceitar que, como a bomba e o smartphone, o fenômeno do pensamento e comportamento (individual ou grupal) fractalizado não dá para desinventar. Se chegamos até aqui por causa da força dos algorítimos ou porque até estes últimos chegaram juntos com esse novo padrão de realidade, não importa. É um fato, e o desafio não é a visão simplista de Blair, ainda que benevolente. Trata-se de um horizonte a mais, inventar um meio de viver o século XXI que chegou com duas décadas de atraso. O mundo tornou-se outro, inexoravelmente. Nada aplicado no passado servirá para os próximos séculos, aliás, o tempo vai passar tão rapidamente que mudanças avassaladoras, já percebidas em apenas alguns círculos restritos (i.e. cientistas, acadêmicos privilegiados, alguns segmentos de negócios, poucos redutos militares, etc), serão instaladas definitivamente ao modus vivendi de todos sobre o planeta.

Aceitemos, o sistema atual está falido, esfacelado; uma das provas irrefutáveis é a ênfase em posições políticas de impacto com a dimensão de um “meme”, por qualquer um, seja o candidato a presidente dos Estados Unidos ou do Brasil, um artista ou notoriedade de qualquer ramo, seja um desconhecido que publicou algo “engraçadinho”. Não estamos mais sedentos por soluções baseadas em evidências, ou melhor, abrangentes e duradouras. A governança vigente, outro sintoma, é um negócio sem ideologia, no mundo atual despreparado para esse vazio ideológico. Chegamos finalmente ao ponto em que o pensamento, a busca, global é viver bem ou o quanto melhor de acordo com o padrão de bom e ruim de cada um, simplesmente. A anarquia, inclusive, pertence ao passado, está obsoleta. Deste modo, abusando de uma metáfora tacanha, é como se cada indivíduo dirigisse um carro ladeira abaixo, sorrindo, sem perceber que não está nem acelerando, não está nem mesmo dirigindo. Enquanto isso, os meios de comunicação (protegidos por uma imagem própria antiga, de isenção, que chega a ser um sarcasmo), motores de panacéias, funcionam partidários condicionados às audiências convencionais e de capacidade cognitiva limitada; por sua vez, as organizações noticiosas (as empresas com marca de “empresa de comunicação”) calculam delicadamente a melhor manchete para “emocionar” os seus “viewers” mais fiéis e cujos conteúdos estabeleçam ligações com os seus interesses específicos. Uma manchete atualmente nada mais é do que um slogan de sabonete, ou cerveja. O conteúdo é uma bula em letras garrafais, mais confunde ou esconde do que informa.

Numa sociedade volátil – leia-se: fácil de ser manipulada – como o Brasil, onde as diferenças cognitivas entre as camadas sociais são muitas, onde nada é padrão a não ser a certeza de que “não vai dar certo”, ou não vai durar, em plena eleição para presidente é inócuo pensar que um discurso de candidato possa ser a saída, se for populista à esquerda, ou populista à direita. Ambos são péssimas alternativas, assim como os demais que também concorriam recentemente ao poder. Uma espécie de força centrífuga parece encontrar um ralo justamente no Brasil, que tudo tenta copiar do mundo porém negligentemente; inclusive e com espantosa dedicação, a onda mundial de corrupção, crime organizado, profusão de ódios diversos e interesses particulares em detrimento do interesse público.

O mito da sala de jantar

Se houve um tempo, e este articulador viveu este tempo, em que o mito da sala de jantar (família reunida) foi substituído pela TV, da mesma forma a pandemia de acesso à grande rede via Internet foi, de modo relâmpago, suplantada pela dominância dos detentores da inteligência artificial; desde os SEO (Search Engine Optimization) aos algoritmos mais sofisticados em linguagem de programação fractal para acompanhamento do mercado de ações; para influenciar o comportamento e hábitos de consumo, isso já é corriqueiro, elementar. O abominável está em que o indivíduo comum é totalmente ignorante à avalanche tecnológica entranhada no seu dia a dia (das coisas de sua casa às coisas que povoam sua cabeça). Ignorante da mesma forma que sempre foi sobre a sua própria saúde, física e mental, corrompido pelas promessas da “bala mágica” e pela indústria dos diagnósticos, esta protegida pelos protocolos da medicina hegemônica que influencia os bancos acadêmicos e bancadas de investigação científica das universidades. Paradoxal é o fato da educação em voga privilegiar o “mono-excelence” enquanto as plataformas comerciais (online e os parques físicos instalados, i.e. lojas e shopping centers), assim como as novidades tecnológicas de comunicação, aplicativos, por exemplo, abusarem da multifuncionalidade, provando que o indivíduo já raciocina em blocos de aplicabilidades, várias áreas simultaneamente. Isto posto, é oportuno lembrar que a maioria das pessoas não sabe que não sabe, sobre quase tudo ao seu redor. Nem na Idade Média era tão grave assim.

Neste contexto sórdido, o que era para ser um bem insofismável, a capacidade das pessoas se interconectarem globalmente em tempo real, viralizou como uma bactéria patogênica, entranhada no tecido social mundial. A ponto de não haver fronteira entre o que é falso, incompleto, verdadeiro, suspeito ou plausível e assim por diante. Mensagens de qualquer natureza e fontes duvidosas influenciam tanto quanto qualquer teoria filosófica construída através de séculos, milênios, em nossas civilizações. Qualquer argumento pode se desmanchar no ar num estalo, nada mais é sólido, nem líquido e certo.

Inequalidade, injustiça, infelicidade

Há, contudo, neste aparente cenário sem pé nem cabeça, um ponto em comum a nível global e definitivamente ele sinaliza de onde partir, ou aonde se quer afinal de contas chegar.

Antes porém é preciso que aceitemos o fracasso do modelo paternalista do Estado. Nem o socialismo, tampouco as tentativas de ideal republicano, ou o liberalismo democrático evitaram o limbo sócio-político que separa os eleitores (a vontade dos contribuintes) dos políticos. Em nenhum regime, seja pela autocracia ou meritocracia, o Estado atendeu as expectativas da maioria, muito menos das minorias desfavorecidas, seja nas questões de habitação e saúde (incluída a alimentação), ou educação, transporte e geração de renda, prosperidade e bem estar. Se deu certo em alguns países, ficou longe de influenciar a maior parte do mundo. Assim, o homem de um modo geral continua longe do paraiso. Numa esfera quase invisível ao redor dos Estados transfronteiriços, trafegam as agências reguladoras e organizações internacionais negociando o inegociável intermitentemente, consumindo enormes recursos humanos e financeiros sem resultados práticos. Sem mencionar o vício da prática lobista e seus danos. Em paralelo, na iniciativa privada, há empresas mais ricas do que vários países juntos, e há alguns homens individualmente com mais riqueza acumulada do que centenas de milhões de pessoas. As diferenças são abissais. Isso por si só demonstra a enorme desigualdade entre classes sociais. Essa diferença pulverizada nas sociedades impõe injustiças sociais. Os próprios aparelhos de segurança nas cidades não funcionam para proteger o indivíduo de bem, antes disso, eles existem para vigiá-lo, e reprimi-lo, se errar. Os arcabouços legais e de justiça favorecem os mais fortes financeiramente, e assim por diante.

Nem no perímetro das religiões é contemplada a parcela de fulfilment (espiritual), especialmente de grupos de pessoas menos privilegiadas. Na realidade, as religiões tem estado cada vez mais equilibradas pelo viés do empreendedorismo, branding, market share e share of mind.

Por fim, mas este poderia ser o começo deste artigo, a inteligência artificial vem gradualmente eliminando postos humanos de trabalho, atendendo a uma lógica também falida: a da produtividade por escala em relação à base monetária e a capacidade de poder aquisitivo da sociedade. Qualquer heurística simples prova que não é possível o homem comprar tudo e gerar lucro crescente ao mesmo tempo porque nem tudo atende à necessidade de todos, mesmo aquelas necessidades forjadas pela população de trailblazers dos principais polos avançados de produção de bens e serviços. E ainda não mencionamos a exaustão de combustíveis de fontes não renováveis e a questão da tsunami de lixo que desaba sobre o mundo, inundando de poluentes persistentes microscópicos as mais fragmentadas partículas de alimentos desde o início da cadeia alimentar até a mesa de todos nós.

Esta conclusão não é, entretanto, um arroubo de ceticismo irrefreado. É apenas uma ponta do iceberg de onde pode-se vislumbrar soluções, que talvez pareçam revolucionárias mas nem tanto, pois são tão exequíveis quanto a ebuliente criação dos bitcoins e transportes aéreos não tripulados, por exemplo.

Se gradualmente a Europa foi capaz de unificar-se em torno de um conjunto de leis, preservando a identidade de cada país membro, e criar uma moeda própria, por que não preservar a essência desse sistema? Por que sair? Por que não melhorar? Não é mais difícil do que outros blocos continentais, Américas, por exemplo, também implementarem algo similar? Uma vez esses blocos territoriais, separados pelos respectivos mares, consolidados em torno de regras similares ao modelo da Comunidade Européia, o caminho para uma moeda única W$ mundial estaria criado automaticamente. Mas afinal, o que Portugal e Brasil tem a ver com todas essas questões?

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*Luís Peazê é escritor, jornalista e tradutor, entre seus trabalhos Por Quem os Sinos Dobram de Ernest Hemingway e uma dúzia de títulos próprios desde aventura, romances, poesia, medicina, esporte e jornalismo.

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